PARÁBOLA DAS MÃES FELIZES
( De um poema árabe do século XII)
Muito tímida, ao Anjo Bom do Destino:
- É longo o caminho a percorrer, Senhor? Serei feliz com os meus filhos que tanto amo e estremeço?
Respondeu-lhe, sereno e terno, o Anjo Bom do Destino.
- O caminho que se abre diante de ti é longo, muito semeado de angústias, recortado de dores e topetado de fadigas. Antes de alcançares a curva extrema, virá a impiedosa velhice.
Ao teu encontro .Ainda assim, asseguro-te que os teus derradeiros passos serão mais cheios de alegrias e encantamento do que os primeiros.
E a jovem mãe partiu. Sentia-se extremamente ditosa em companhia de seus filhinhos.
A existência lhe decorria sob o véu de um delicioso encantamento . Brincava com os pequeninos; colhia para eles, unicamente para eles, as mais lindas flores que adornavam os caminhos do mundo. E o sol brilhava, inundando a terra com a bênção de suas torrentes de luz. E o dia se escoava tão sereno que a jovem mãe murmurou, fitando, enternecida, o céu
Azul.
- Nada haverá, Senhor, de mais belo! Jamais serei, na companhia de meus filhos ,mais feliz do que sou agora!
A noite veio, porém, alongando sobre a terra o seu manto pesado e sombrio. Nuvens disformes amontoaram-se no firmamento: desabou o temporal. O vento norte uivava como
Um chacal faminto pelos areais sem fim. Os pequeninos, tolhidos de frio, trêmulos de medo, soluçavam.A jovem mãe destemida aconchegou-os a si, agasalhando-os sob sua
Túnicas, e as crianças, bem abrigadas e protegidas, docemente murmuraram:
- Ó mãezinha querida! O medo já não mais se abriga em nossos corações! A teu lado,
Mãezinha adorada, nenhum mal nos alcançará! E a jovem mãe exclamou num ímpeto de alegria:
- Isto para mim, ó Deus, é mais belo e grandioso do que a jornada pelo caminho tranqüilo, sob o esplendor do dia!Sinto-me, realmente, feliz! Mais feliz do que ontem!
Contra a tormenta protegi meus filhos e lancei, para sempre, em seus pequeninos corações, a semente do destemor e da coragem!
Passou a noite. Louvando seja DEUS! A noite passou. Raiou, esplêndida e balsâmica, a alvorada. A estrada, naquele terceiro dias, se estendia ladeirenta pelo dorso de uma
montanha alcantilada e perigosa. Era forçoso subir. Subir muito. Os pequeninos sentiam-se fatigados. A jovem mãe quase desfalecida de sede e de cansaço. Fazendo, porém, das fibras corações, mostrava-se animosa, e sem cessar, dizia aos filhos:
- Vamos! Para cima! Breve chegaremos ao alto! Vamos! Subamos sempre!Subamos!
E essas palavras multiplicavam energias que o esforço constante e excessivo queria aniquilar.E as crianças iam subindo, subindo...Chegaram, finalmente, ao cimo da montanha.
A jovem mãe os enlaçou, então, em seus braços carinhosos. E eles lhe disseram:
- Ó mãezinha querida, sem ti não teríamos conseguido vencer estas escarpas, contornar
Estes abismos e levar a bom termo esta jornada. Sem o teu auxílio incomparável sucumbiríamos em meio da escalada. Sabemos, agora, como superar os grandes tremedais da sorte!
E a delicada mãe, ao repousar naquele dia, semimorta, exclamou arrebatada
- Ó Deus, clemente justo! O dia hoje foi para mim melhor ainda do que o de ontem! Sinto-me mais feliz! Mais feliz do que nunca! Ensinei meus filhos a enfrentar, bravamente, os reveses e as tristezas da vida!
No quarto dia, estranhas nuvens cor de chumbo cruzaram o céu. Um rugido surdo, que
Parecia partir das profundezas ignoradas da terra, enchia o ar, soturnamente. De súbito, a imensa montanha tremeu: rochas descomunais desprenderam-se e rolaram com estrondo para os abismos apavorantes.
Era o cataclismo que começava. Tão altas e densas erguiam-se as colunas de pó, que chegavam a cobrir a face do sol. E as trevas da noite desceram sobre a terra a em pleno dia. A morte , com suas garras de fogo, rondava por toda parte. Nem tenda havia, nem caverna ou abrigo,onde um ser humano pudesse ter segura a curta vida. As crianças, presas de cruciante pavor, choravam. E a jovem mãe, serena e forte, lhes dizia:
- Em Deus confiai, meus filhos! Olhai para cima! Deus os livrou da fúria infrene . Ao findar aquele dia, a mãe exclamou em êxtase, erguendo humilde para os céu os seus olhos cheios de gratidão:
- Este foi o dia melhor de minha vida, senhor! Ensinei meus filhos a crer em Vós, a confiar em Vós, só em Vós, ó Deus misericordioso!
Amontoaram-se os dias; sucederam-se os meses; os anos passaram... E a mãe, toda entregue á felicidade ao bem –estar dos filhos, não sentiu o rolar intérmino do tempo. Os seus formosos cabelos fizeram-se brancos como a neve; o brilho desapareceu de seus olhos; sua face tracejou-se de rugas. Era, enfim, a velhice que chegava. Mas que encanto para a sua vida de mãe! Os filhos crescidos, fortes, cheios de alegria, pareciam redobrar em si a boa seiva que dela partira. Ela, a mãe feliz, curvada ao peso da vida, já mal podia
Caminhar. Os filhos, porém, ali estavam, a seu lado, para servi-la, honrá-la e odebecer-lhe!
O mais velho dizia-lhe, carinhoso e com desbordante afeto:
- Mãezinha! Quero hoje carregar-te em meus braços! Estás tão fraca e cansada!
Protestava o mais moço com entusiasmo:
- Que egoísmo é esse, meu caro! Hoje é meu dia! Eu, sim, é que ire carregar a mãezinha querida!
E a mãe feliz sorria a um, abraçava a outro; beijava a ambos.
Que bons e delicados eram os filhos para ela. Sim, para o coração materno, fizera pausa o tempo. Eles eram, ainda, os seus filhinhos, os ternos, estremecidos... E ela sentia-se tão feliz. Tão feliz, que não achava palavras com que agradecer a Deus!
Um dia, afinal, a mãe ditosa reuniu os filhos e disse-lhes, num fiozinho de voz:
- A minha tarefa está finda, meus filhos. Vou deixá-los. Irei para longe, para muito longe daqui...
- Pois iremos contigo, mãezinha! Ninguém nos poderá separar de ti!
Ela, não sustendo as lágrimas e deixando-as deslizar, insistiu com meiguice:
- Não, querido. Desta vez terei de ir só. Partirei sozinha.
E eles, afeitos á obediência, mais uma vez obedeceram. E a boa velhinha partiu. Foi indo, vagarosamente, toda acurvada, trêmula...
Diante dela , no extremo do caminho, abriram-se dois largos portões que refulgiam cheiros de luz. Entrou. Uma voz, que mais parecia um cântico de glória, lhe dizia com infinita mansuetude;
- Vinde a mim, ó mãe feliz! Vinde a mim!
Os filhos, que a vigiavam de longe, viram-na, de repente, desaparecer:
- Ela partiu para sempre! Para sempre! Não a veremos nunca mais!
Nunca mais!-exclamavam emocionados. –Mas a santa lembrança dessa mãe querida viverá para sempre em nossos corações! Eduquemos nossos filhos como ela nos educou: na bondade, na obediência, no amor...
E, no silêncio da tarde que caía, lentamente, ouvia-se o sussurro de chorar longínquo. Calaram-se todos.
Que seria? Era o filho mais moço. O rosto entre as mãos, inconsolável, soluçava de joelhos, á margem da vida, com a dor da saudade a negrejar-lhe o coração:
- Minha mãe! Minha mãe querida!