segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sobre comidas e mulheres!

SOBRE COMIDAS E MULHERES

A sociedade manifesta-se por meio de muitos espelhos e vários idiomas. Um dos mais importantes no caso do Brasil é, sem dúvidas, o códigos da comida, em seus desdobramentos morais que acabam ajudando a situar também a mulher e o feminino no seu sentido talvez mais tradicional .
Comidas mulheres ,assim, exprimem teoricamente a sociedade, tanto quanto a política, a economia, a família, o espaço e o tempo, em suas preocupações e , certamente, em suas contradições.
Creio que foi o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss quem chamou a atenção para dois processos naturais - o cru e o cozido-,não somente como
modalidades pelas quais se pode falar de transformações sociais importantíssimas
De fato, o cru e o cozido , o alimento e a comida, o doce e o salgado ajudam a classificar coisas,pessoas e até mesmo ações morais importantes no nosso mundo. Assim é que equacionamos simbolicamente a mulher com a comida e o doce com o feminino, deixando o salgado e o indigesto para estarem asso-
ciado a tudo o que nos "cheira" a coisas duras e cruéis. Ao mundo difícil da "vida, da rua" e trabalho em geral, esses universos que são profundamente masculinos e, por conseguinte, estão longe das cozinhas, dos temperos e das boas mesas e camas , onde se pode exercer uma comensalidade enriquecedora. Num plano mais filosófico e universal, sabemos que cru se liga a um estado de selvageria (a um estado de natureza), ao passo que o cozido se relaciona ao universo socialmente elaborado que toda sociedade humana define como sendo o de
sua cultura e ideologia. Sabendo que o cru e o cozido exprimem mais que dois processos "naturais" , podemos agora entender por que falamos que "o apressado come cru"...É que, tal metáfora (ou associação entre o cru e a pressa), estamos nos referindo a esse elo entre a selvageria ou sofreguidão das pressas e o lado selvagem, ruim ou cru das coisas da vidas.

Mas é básico continuar enfatizando que a comida (com suas possibilidades simbólicas)
permite realizar uma importantes mediação entre cabeça e barriga, entre corpo e alma, permitindo operar simultaneamente com uma série de códigos culturais que normalmente estão separados, como o gustativo (que distingue o salgado do doce e do amargo; o gostoso do péssimo;o quente do frio),o código de odores(que per-
mite separar dos outros o alimentos que tem bom cheiro e está sadio e bom), o código visual (que nos faz comer ou não algum alimento com os olhos, ou recusá-lo por suas aparência, tendo ou não"olhos maior do que a barriga"e, ainda, um código digestivo, posto que no Brasil também classificamos os alimentos por suas capacidade de permitir ou não uma digestão fácil e agradável .
Mas há comidas e comidas. Falamos que "mulher oferecida não é comida" , num trocadilho chulo mas revelador da associação, intrigante para estrangeiros, entre o ato sexual e o ato de ingerir alimentos. Entre a mulher da rua, a prostituta, ou a mulher que controla e é dona de sua capacidade de sedução e sexualidade, e certos tipos de alimentos.
O fato é que as comidas se associam á sexualidade, de tal modo que o ato sexual pode ser traduzido como um ato de "comer", abarcar,englobar,ingerir ou circunscrever totalmente aquilo que é (ou foi) comido.A comida ,como a mulher (ou homem, em certas situações),desaparece dentro do comedor ou do comilão. Essa é á base da metáfora para o sexo, indicando que o comido é totalmente abraçado pelo comedor. A relação sexual e o ato de comer , portanto,aproximam-se num sentido tal que indica de modo nós, brasileiros, concebemos a sexualidade e a vemos, não como um encontro de oposto e iguais( o homem e a mulher que seriam indivíduos donos de si mesmos),mas como um modo de resolver essa igualdade pela absorção, simbolicamente consentida em termos sociais, de um pelo outro. Assim, a relação sexual, na concepção brasileira, coloca a diferença e radical heterogeneidade, para logo em seguida hierarquizá-las no englobamento de um comedor e um comido.
Num sentido muito geral e culturalmente valorizando , fala-se sempre que quem come é o homem, a mulher cozinha e dá os alimentos e a comida.Mas como sugeri linhas atrás, pode haver casos contrários, onde o homem cai na panela de comida, tal como na história de Dom Ratão que caiu na panela de feijão,o conto de fadas sendo significativo para indicar de que modo a gula (o desejo incontrolado) pode levar o comedor a tornar-se comida.
( O que faz o brasil, Brasil? , Roberto DaMatta)

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